Parada Obrigatória

02/07/2012 19:06

 

Micaela estava louca de raiva. Raiva de estar no carro, de estar no carro com o Rafael e naquele lugar que ela e nem ele sabiam onde ficava. A única coisa suportável era a música que tocava no rádio.

-I'm gonna marry the night, I won't give up on my life, I'm a warrior queen, Live passionately tonight.

Micaela cantarolava a música junto com sua pop star do momento. Adorava todas as músicas de Lady Gaga. Mesmo cantando não conseguia esconder a fúria que sentia por Rafael ser um machista típico e não perguntar a direção que deveria tomar para nenhuma pessoa. Agora estavam naquela estrada sem fim e sem nenhuma alma viva a quem pedir informações e ela já estava cansada. Imaginava que nunca iria usar a expressão chula, com a bunda quadrada, que as amigas sempre usavam quando ficavam horas sentadas, mas naquele momento estava entendendo exatamente o seu significado.

E Rafael ao seu lado parecia dirigir com a maior tranquilidade do mundo, fingindo saber exatamente para onde estava indo. Micaela sabia que não era verdade, pois toda vez que ele ficava nervoso começava a tamborilar os dedos em alguma coisa e naquele momento fazia isso no volante do carro.

A moça resolveu romper o silêncio.

- Você sabe onde estamos? – Pergunta para Rafael, olhando o pela primeira vez em mais de meia hora.

Eles estavam rodando há quase duas horas na estrada que ia de São Paulo para o Paraná, tudo estava indo muito bem enquanto estavam na rodovia, mas Rafael resolveu pegar um atalho que um amigo havia lhe ensinado e depois disso não viram mais nada que fosse  da civilização e para ajudar o GPS do carro parecia que também precisava de um GPS para se localizar.

- Não quero brigar Mica. Você bem sabe que eu estou perdido e não sei para onde a gente está indo, mas não vai adiantar nada você tripudiar em cima de mim.

- Eu sei querido, mas estou muito cansada e ficando com muita fome.

- Eu também estou. – Deu uma olhada no medidor de combustível - E o carro também vai ficar com fome. Precisamos achar um posto de gasolina logo.

Rodaram mais meia hora até achar um posto de gasolina e quando pararam em frente ao posto, Micaela puxou o braço de Rafael e disse.

- Querido, acho melhor a gente procurar outro posto. Esse parece estar abandonado.

Contrariando Micaela, Rafael saiu do carro e olhou em volta. Micaela parecia ter razão, o posto parecia abandonado, mas olhando com mais atenção as bombas pareciam novas e havia uma casa atrás do posto que da estrada não dava para ver direito.

- Querida, nós precisamos abastecer agora senão ficaremos sem saber onde estamos e sem gasolina e já está escurecendo. Aqui poderemos pedir alguma informação.

- Me espere então, vou com você – Disse Micaela, abrindo a porta do carro e saltando rapidamente para grudar no braço de Rafael.

- Não tenha medo. Por ser afastado esse posto deve ter um movimento muito fraco e por isso está nesse estado – Disse Rafael tentando acalmar Micaela e a ele mesmo.

Foram andando cada vez mais para dentro do posto e nada de alguém aparecer para atendê-los.

- Não estou gostando desse lugar – Disse Micaela.

Quando Rafael já estava desistindo e concordando com Micaela em voltar para o carro, aparece um senhor magro e encurvado de cabelos e barba branca.

- Em que posso ajuda-los? Perguntou o velho com uma admirável voz jovial.

- Precisamos de gasolina e informações – Disse Rafael

- Tenho certeza que em pelo menos em um dos casos poderei te ajudar – Disse o velho sorrindo mostrando dentes brancos para surpresa do casal.

Rafael foi ao encontro do velho senhor aliviado, mas Micaela continuou no mesmo lugar.

- Estamos indo para Parapebas no Paraná, decidimos vir de carro, pois nos falaram que seria uma viagem fácil e agradável, mas em certo ponto nos perdemos e não conseguimos voltar para a rodovia – Disse Rafael.

O velho pigarreou e deu uma grande cuspida no chão, o que causou uma sensação de nojo em Micaela que cada vez gostava menos da situação.

- Vocês estão bem longe do seu destino e não aconselho vocês a viajarem a noite por esses lados – Disse o velho olhando Micaela da cabeça aos pés.

Micaela desviou o olhar e Rafael continuou a falar, sem dar sinais de que algo o incomodava.

- E o senhor sabe onde podemos encontrar algum lugar, um hotel para passarmos a noite?

- Não costumo oferecer minha casa a estranhos, mas vocês me parecem um casal decente. Temos um quarto sobrando e dois pratos de comida não nos farão mais pobres – Ofereceu o velho – A propósito, meu nome é Juarez, como podem ver minha casa é atrás do posto, é simples e somos humildes se vocês não se importarem.

Micaela olha para Rafael e tenta passar em um olhar todo o seu desejo de saírem correndo daquele lugar, mas Rafael não entende ou faz que não entende e diz:

- Se o senhor nos deixar pagar uma diária de hotel, está combinado.

Micaela se aproxima de Rafael, segura seu braço e aperta levemente.

- Querido, venha comigo ao carro um instante, por favor – Diz ela com um olhar que faria qualquer ser normal cair morto fulminado, mas Rafael não, continuou vivo e orgulhoso do acordo que tinha feita com Juarez.

Quando chegaram ao carro, Micaela deixa escapar toda sua exasperação e revolta por ele nem ao menos pedir sua opinião.

- Você está louco! Como a gente vai passar a noite na casa desse senhor que nem conhecemos? E se ele nos matar e esconder os corpos no fundo do quintal?

- Nossa, você anda assistindo muito seriado e jornal sensacionalista. Não vai acontecer nada. O que aquele senhor pode nos fazer, está velho e curvado, não pode ter forças para fazer qualquer mal até a você que é magrinha – Disse Rafael tocando no assunto que era polêmica entre o casal, o peso de Micaela.

- La vem você de novo com essa história, não sou magra demais, você bem sabe que tenho que manter um padrão para continuar na minha profissão. Quando ela paga nossas contas você não reclama do meu peso.

- Ei, não começa a apelar. Só fiz oque achei mais viável no momento – Se defende Rafael. – Vamos fazer o seguinte, abastecemos o carro e comemos alguma coisa na casa deles, se acharmos algo estranho, inventamos uma desculpa e pegamos a estrada, certo?

Muito a contragosto Micaela aceitou a proposta.

- Mas nunca mais decida uma coisa importante sem me consultar antes – Exigiu ela.

- Ok. Sim senhora. Você é quem manda – Debochou Rafael.

Sairam do carro e o Sr. Juarez estava há poucos metros deles e Micaela ficou imaginando se ele ouvira a conversa dos dois.

- Vou pedir para meu filho abastecer o seu carro e vocês podem vir comigo para conhecer minha mulher e o quarto onde irão ficar.

O casal se entreolha e segue o velho senhor, Rafael não queria admitir, mas também achou o velho um pouco sinistro, mas achava que era a influência do cansaço e do estres de dirigir numa estrada sem saber onde estava por horas. Nunca mais iria confiar em atalhos de amigos.

Ao entrar na casa, os dois param estupefatos ao se deparar com uma senhora com um vestido estampado de flores e um avental de cozinha por cima com os dizeres, beije a cozinheira. O casal se entreolhou novamente e não acreditou na figura daquela senhora tão fofa num lugar tão afastado. Ela não combinava de maneira alguma com o cenário do posto e da casa escondida logo atrás.

- Querida, esse casal irá jantar e passar a noite conosco – Disse o senhor Juarez.

- Venham, entrem, estou começando a preparar o jantar. Fiquem à vontade. Que casal lindo Juarez. Vocês têm filhos – Perguntou a senhora, que parecia a Dona Benta.

- Não. Casamos há pouco tempo, não temos nem um ano de casados ainda. Vamos esperar mais um pouco – Quem respondeu apressadamente foi Micaela, que ficou inquieta, pois esse assunto era motivo de discussão entre ela e Rafael. Ela tinha sua carreira de modelo e não queria parar agora que estava decolando e ele achava que quanto mais cedo tivessem filhos era melhor.

Dona Benta, ou melhor, Dona Maria olhou de um para outro e disse:

- Terão filhos lindos! Agora deixe me mostrar-lhes o quarto onde irão ficar.

Juarez aparece na porta da sala como seu jeito sinistro, Micaela não acreditava que casal tão diferente pudesse ser marido e mulher. Dona Maria com seu jeitinho de vovó contadora de histórias e Juarez com cara de serial killer. Acreditava que casais deviam combinar, ser parecidos em gosto e até um pouco em aparência.

Foram todos para os fundos da casa e quando chegaram ao quarto, Micaela teve nova surpresa. O quarto parecia um quarto de hotel de tão arrumado, se não era usado Dona Maria era uma excelente dona de casa e deixava tudo em ordem sempre esperando uma ocasional visita ou pessoas que se perdiam pelo caminho como eles. Cheirava muito bem, a roupa de cama estava limpa e parecia que as fronhas dos travesseiros eram engomadas. Dona Maria e Juarez deixaram o casal descansar e foram cuidar de seus afazeres. Para nova surpresa do casal, o quarto era uma pequena suíte e quando Micaela entrou no pequeno banheiro achou toalhas limpas e perfumadas e deu graças a Deus pois teriam uma certa privacidade.

- Rafa, até parece um hotel, modesto, está tudo em ordem – Disse Micaela olhando ao redor.

- Estava pensando o mesmo, Mica. São pessoas simples, mas com bom gosto e muito asseio.

- Parece que foi uma boa ideia no final das contas, aceitarmos o convite – Disse Micaela mais relaxada sentando-se na cama e puxando Rafael para sentar-se ao seu lado. Rafael aceita o convite, abraça a esposa e lhe dá um beijo apaixonado.

- Não se preocupe meu amor, amanhã sairemos o mais cedo possível e com certeza antes do almoço estaremos na casa de sua irmã – Disse acariciando as costas de Micaela, beijando-lhe o pescoço.

- Tam tam tam – Ouviram na porta – O jantar está pronto – Disse Juarez e se afastou sem se importar em esperar o casal.

Rafael e Micaela saem no corredor deserto, olham para os dois lados e ficam um pouco confusos, não sabiam que caminho tomar e de repente do lado esquerdo do corredor aparece um rapaz muito alto e magro, a cópia de Juarez muitos anos mais nova e ereta.

- Vocês estão perdidos – Pergunta o rapaz com a voz do mesmo timbre do pai – Deixe-me leva-los até a sala de jantar.

Os dois seguiram o jovem e chegaram a uma sala ampla, com a mesa arrumada para cinco pessoas. Dona Maria havia caprichado no jantar e na arrumação da mesa. Uma toalha de linho cobria a mesa de seis lugares e o jantar era composto por arroz com legumes, frango assado e dois tipos de saladas, tudo impecavelmente arrumado como em um restaurante. Dona Maria ao vê-los entra se adianta e diz:

- Sentem-se meus filhos e sirvam-se, vocês devem estar com muita fome. Vejo que conheceram meu filho Jair.

Jair olha para o casal com os mesmos olhos de Juarez, em especial para Micaela, que desvia o olhar assim como tinha feito antes com o pai.

O jantar transcorreu na maior naturalidade, Dona Maria era uma ótima anfitriã, sempre mantendo a conversa animada e os pratos cheios. Quando acabaram o jantar Micaela se dispôs a ajudar assenhora na cozinha que recusou educadamente.

- Estou acostumada aos trabalhos domésticos, minha filha. Aconselho à vocês irem descansar, pois amanhã terão uma estrada longa a percorrer.

O casal agradecido e exausto volta ao quarto para se arrumar e ter uma noite merecida de descanso.

- Rafael, Dona Maria não combina com esse cenário – Diz Micaela.

- Ela parece até um pouco sofisticada perto do marido e do filho – Diz Rafael.

Micaela começa a vasculhar o quarto. Olha as gavetas da cômoda, abre o guarda-roupa.

- O que você está fazendo – Pergunta Rafael, sem entender a atitude da esposa.

- Acho que eles devem ter algum segredo escondido. Por que morar tão longe d cidade, sem ninguém por perto. Um homem eu até entendo, mas não consigo entender uma mulher querer isso – Diz Mica ainda mexendo nos pertences alheios.

Sem encontrar nada que despertasse a sua curiosidade sentou-se na cama quase desistindo de sua busca quando olhou dos lados da cama e viu dois criados mudos. Olhou no do lado direito e só achou contas de água e luz.  Foi no craido mudo do lado esquerdo que  achou várias fotos bem no fundo da gaveta em um envelope. Não eram da família, eram de outras pessoas, fotos tiradas perto do posto e na casa, e em nenhuma delas as três figuras que conhecera hoje apareciam. Achou estanho eles não aparecerem em nenhuma foto, mas com certeza havia alguma explicação. Quem sabe as pessoas eram os antigos donos do posto e da casa. Nem compensava tocar no assunto com Rafael, ele iria falar que ela adorava fazer tempestade em copo d’agua.

- Achou alguma coisa interessante- Rafael pergunta, tirou-a de seus devaneios.

- Nada de mais, só algumas fotos, talvez de antigos moradores do lugar – Diz Micaela.

- Impossível, eu ouvi Juarez dizer que sempre morou aqui – Diz Rafael.

- Dá uma olhada aqui – Disse Micaela entregando as fotos à Rafael que pegou as fotos concedendo à Micaela um olhar de censura.

- Não vejo nada de mais em saber onde estamos nos metendo – Disse ela sem se importar com o olhar.

Rafael ainda estava observando as fotos quando ouviram uma batida à porta, era Dona Maria, toda envergonhada.

- Sinto muito importuná-los, sei que estão muito cansados, mas gostei muito de vocês e gostaria de poder guardar uma recordação. Posso tirar uma foto de vocês?

Rafael e Micaela se entreolharam.

- Com certeza, só vamos nos recompor e já encontramos a senhora – Disse Rafael.

Assim que a velha senhora saiu do quarto Micaela começou a juntar as coisas do casal que estavam no quarto e colocando de qualquer jeito dentro da mala.

- O que foi meu bem? O que você está fazendo Perguntou Rafael sem entender nada.

- Alguma coisa me diz que isso está errado Rafa. Essa senhora, essa casa, tudo é bom demais para ser verdade. E esse pedido maluco de tirar fotos conosco? Não está me cheirando nada bem, precisamos ir embora daqui agora. Tá na hora de colocar o seu plano B em ação Disse Mica, sem parar um só momento para respirar.

Rafael segurou a esposa pelos ombros e a virou para encará-lo.

- Você está muito cansada amor. Essa senhora é apenas uma velhinha solitária, que vive com dois homens que não lhe dão muita atenção. Ela só é uma pessoa carente de atenção. Nós podemos agradecer a hospitalidade dela e de seu marido dando um pouquinho de atenção a ela e fazendo essa vontade inocente.

Micaela respirou fundo e disse:

- É pode ser que eu esteja exagerando. Desculpe. Vou lavar o meu rosto e vamos tirar essa foto logo – Disse ela resignada.

Os cinco foram até o posto e enquanto Juarez e Jair ficaram encostados em uma árvore, Dona Maria fotografou o jovem casal em frente ao posto e depois em frente à casa e Micaela não conseguiu deixar de pensar que as fotos eram exatamente como as fotos que ela vira no quarto mais cedo e quando olhou para Rafael sentiu que ele pensava a mesma coisa. No mínimo era muito estranho. Será que Dona Maria era tão carente assim que acabava gostando de todas as pessoas que passavam uma noite em sua casa, pessoas totalmente estranhas que seria muito difícil a ver de novo? Ela só rezava para que aquela fosse a noite mais curta do ano e eles fossem embora daquele lugar o mais rápido possível. Sabia que não iria pregar os olhos e que com certeza teria que aguentar Rafael dormindo a sono solto, o sono dos justos.

Ao retornarem ao quarto ouviram nova batida à porta.

- Trouxe um chá de ervas para vocês. Ajudará a relaxarem para a viagem que tem pela frente amanhã. Boa noite crianças – Disse a velha senhora ao sair o quarto.

- Viu só, e você fazendo mau juízo dessa senhora  tão simpática – Disse Rafael

- Tá bom Rafael, eu sou a pior pessoa do mundo. Vamos dormir, como Dona Maria disse, amanhã temos um longo caminho pela frente. E sem atalhos dessa vez.

Micaela acorda meio atordoada, estava tudo escuro e ela não consegue identificar onde estava, mas com certeza não estava no quarto onde dormira anteriormente. Sua boca estava com uma fita adesiva e as mãos e os pés amarrados. Tentou se mover, mas não conseguiu. Forçou a vista mais um pouco, já estava acostumando com a escuridão. De repente as luzes foram acesas e por um instante Micaela ficou cega pela luz vendo Dona Maria em seguida.

- O que você está fazendo acordada?  –  Perguntou a velha senhora – O remédio que lhe dei derruba até um cavalo.

Via se que estava muito contrariada.

- Juarez – gritou, chamando o marido – Temos um pequeno probleminha – Disse assim que Juarez chegou ao aposento.

Micaela tentava não ficar nervosa. Bebera o chá pela metade, talvez por isso não tenha feito o efeito esperado.

- Precisamos acabar com o marido dela primeiro e depois trataremos da mocinha – Disse Juarez, que olhava além de Micaela.

Olhando nos olhos de Juarez sentiu que estava perdida, virou o rosto na direção em que ele olhava e o que viu fez seu coração gelar e uma vontade imensa de vomitar e desmaiar ao mesmo tempo.  Rafael todo desmembrado na mesa ao seu lado, uma quantidade de sangue ela nunca virá em sua vida. Sabia que tinha caído nas mãos de psicopatas, mas não entendia por que eles fizeram isso com Rafael e era óbvio fariam com ela também.

Juarez pegou as partes de Rafael e foi até um grande tanque que havia no canto do aposento e começou a lavar e embalar. Micaela cada vez mais nauseada tentava se mover e a fazer barulho.

- Não adianta tentar fazer barulho. Você mesmo viu que não há nada a kilômetros de distância. Você e seu maridinho irão garantir um inverno sem problemas para nós – Disse a senhora.

Micaela começou a entender o que o casal fazia com todas aquelas  pessoas da foto. Olhando ao seu redor, identificou o lugar como um matadouro, aqueles três lunáticos eram canibais e se aproveitavam do lugar ermo onde moravam para seguir em frente com sua ânsia por carne humana. Micaela não conseguia acreditar que seu fim seria tão sem sentido, quanto virar comida de um povo no fim do mundo.

- Agora, é a sua vez – Jair o filho do casal estava ao seu lado com um facão enorme.