O Entregador de Pizza
- Entregador de pizza! – Os jovens ouvem, seguido de várias batidas vigorosas na porta.
Os quatro jovens, que estão sentados em volta da mesinha de centro na sala jogando baralho, se entreolham assustados.
- Quem pediu pizza? – Pergunta Amanda, olhando desconfiada para Gustavo.
- Não olhe para mim, eu disse para você que estou totalmente sem dinheiro, já gastei toda a minha mesada. – Disse ele
Amanda levantou-se e olhou no olho mágico da porta. Ela conseguia ver a pizza tamanho família da pizzaria mais famosa da cidade nas mãos de um rapaz. Chamou Gustavo com um gesto para que ele se aproximasse quando ela abrisse a porta.
- Pois não? - Disse encarando o garoto sardento à sua frente.
- Entrega de pizza. – Disse o rapaz impaciente.
- Mas nós não pedimos pizza. – Rebateu Amanda também um pouco impaciente.
O rapaz pegou o papel onde estava anotado o endereço e mostrou a Amanda. Rua dos Borges, número cento e quatorze. Amanda olhou sem entender do papel para Gustavo que já ia pegando a pizza e sendo interrompido por Amanda.
- Mas nós não temos dinheiro para pagar. – Disse ela
- Já está pago – Disse o entregador quase jogando a pizza nas mãos de Gustavo e indo embora furioso, pois sabia que não iria ganhar gorjeta.
Amanda e Gustavo retornam ao interior da sala, ela totalmente desconfiada e Gustavo já abrindo a caixa para verificar qual o sabor da pizza.
Pipi e Gui estavam de pé atrás do casal.
- Algum de vocês tem participação nessa brincadeira? – Perguntou Amanda.
-Estamos tão confusos quanto vocês. – Respondeu Pipi
Seu nome era Penélope, um dos caprichos de sua mãe, mas todos a chamavam de Pipi desde que ela aprendeu a falar e não atendia pelo seu nome de maneira alguma.
- Acho que devemos deixar essa pizza aí e ligar para a pizzaria – Disse Gui – Com certeza alguém anotou o endereço errado e ela veio parar aqui por engano.
- Amanda, será que não foram os seus pais? – Opina Pipi – Liga para eles.
- Mas se não foram eles, vou deixar os dois preocupados e com certeza eles vão querer voltar correndo para cá. Tenho certeza que não foram os dois, eles deixaram dinheiro se eu precisasse de alguma coisa. – Disse Amanda.
- Vocês se preocupam demais – Diz Gustavo com a boca cheia.
Os três entreolham-se, mesmo se quisessem devolver a pizza, já não era mais possível, Gustavo estava no segundo pedaço enquanto eles discutiam o que fazer.
Amanda, Gui e Pipi deram de ombros e juntaram-se a Gustavo na mesa, estavam com fome mesmo e ainda não tinham decidido se iam pedir alguma coisa ou fazer um miojo, especialidade dos quatro jovens.
- Quando os seus pais voltam mesmo? – Perguntou Gui à Amanda.
- Amanhã à noite. – Responde Amanda mastigando um pedaço de pizza. Ela não gostava muito de fica sozinha em casa, então pedira à amiga para dormir com ela. Quando Pipi chegou a sua casa estava acompanhada de Gui, seu namorado e Gustavo o namorado de Amanda.
Ela não gostou muito da ideia, pois se seus pais descobrissem nunca mais confiariam nela, além do mais deixaram expressamente proibido a entrada dos rapazes na casa enquanto estivessem fora. Amanda permitiu que os dois ficassem com a promessa de não ficarem até tarde.
- Poxa, como essa pizza está gostosa! Adivinharam o meu sabor favorito. – Disse Pipi.
- Tomaram que ninguém bata a nossa porta pedindo a pizza de volta. – Disse Amanda.
- Se fizerem isso, vocês façam uma vaquinha e paguem a pessoa, simples. – Disse Gustavo.
- Claro, Sr. Gustavo, o dinheiro não vai sair do seu bolso. Essa pizza não deve ser barata, a Del Grano é a pizzaria mais cara da cidade. – Disse Pipi dando uma cotovelada no rapaz que lhe deu um tapinha na cabeça.
- Parem vocês dois essa brincadeira nunca acaba bem – Disse Amanda.
Voltaram para o centro da sala para continuar o jogo de cartas. Estavam jogando UNO o que sempre envolvia muita gritaria e safanões entre Gustavo e Pipi.
Quando o relógio da sala deu meia noite, Amanda achou que estava na hora de despachar os meninos.
- Ah Amanda, o que é isso, hoje é sábado! Eles bem que podiam dormir aqui com a gente, ninguém ficaria sabendo. – Disse Pipi, fazendo beicinho.
- Minha mãe me mata se souber que o Gustavo dormiu aqui em casa Pipi, não tem jeito mesmo e é melhor que eles vão logo por que a casa deles é longe e eu vou ficar morrendo de preocupação. – Disse Amanda com ar de quem não aceita outra opinião sobre o assunto.
Gustavo e Gui levantam sem a menor vontade e vão em direção à porta. Gustavo vira em direção de Amanda para lhe dar um beijo de despedida e ainda tentar convencê-la, mas desistiu assim que viu o olhar resoluto da menina. Conhecia Amanda desde o primário, sempre fora decidida, quando colocava alguma coisa na cabeça ninguém conseguia tirar, mas tinha um coração enorme.
Deu-lhe um beijo de despedida e ficou esperando Gui que dava um abraço apertado em Pipi, que parecia não querer larga-lo.
- Já chega Pipi, nós vamos nos ver amanhã mesmo. – Disse Amanda fechando a porta atrás dos rapazes.
- Vamos dormir, estou cansada. – Disse Amanda.
- Você é muito certinha Amanda, nem sei por que sou sua melhor amiga. – Disse Pipi ressentida.
Foram para o quarto, apagando as luzes pelo caminho. A casa de Amanda era muito espaçosa, a sala era dividida por uma bancada para servir de sala de estar e de jantar que se abriu dos dois lados com longos corredores. No lado direito ficava a suíte de seus pais e no lado esquerdo o quarto de Amanda, sua irmã que fora dormir na casa de uma amiga, um quarto de hóspedes e dois banheiros sociais. O quarto de Amanda tinha uma porta de correr que dava para o jardim amplo e bem cuidado. Sempre que Pipi era convidada a passar a noite na casa da amiga, ficava deslumbrada com o bom gosto dos pais de Amanda. O único problema é que sempre tinha que ser escoltada pelos pais, pois a casa era muito afastada, quase na área rural.
As duas amigas se trocaram e foram para cama. Amanda pensou que conseguiria pegar no sono imediatamente, mas ao contrário ficou olhando o teto e pensando.
- Você está acordada? – Perguntou Pipi.
- Sim. Respondeu Amanda.
- Você está meio estranha com o Gustavo, o que foi que aconteceu? – Perguntou Pipi
- Ah não sei, acho que estamos distantes, não conversamos mais. Acho que precisamos de um tempo. – Disse Amanda desanimada.
- Que pena. Sempre achei vocês um casal mais que perfeito. Sempre fazendo tudo juntos – Disse Pipi.
- Na verdade eu também achava, mas agora não sei – Diz Amanda parando no meio da frase – Você ouviu isso?
- Isso o que? – Levantou Penélope para ouvir melhor.
- Acho que ouvi um barulho lá fora. – Disse Amanda, levantando-se da cama e indo até a porta que dava para o jardim.
- Amanda, melhor a gente ficar quieta aqui no quarto, fingir que não tem ninguém em casa. – Disse Pipi.
Amanda faz um sinal para a amiga ficar quieta e colou o rosto na porta. Penélope senta na cama e começa a ficar cada vez mais assustada, pois começa a identificar nitidamente o barulho de passos no lado de fora.
Amanda chega mais perto de Penélope e cochicha no ouvido da amiga para irem para a parte da frente da casa. Como o corredor era no meio da casa, as meninas pararam de ouvir o que acontecia lá fora e ficaram mais apreensivas ainda. Quando chegaram na sala, Amanda foi até a janela e olhou para fora por uma frestinha na cortina. Estava tudo muito quieto lá fora e parecia não haver nada de incomum acontecendo.
Penélope estava encolhida no sofá, esperando que a amiga se afastasse da janela para contar o que havia visto do lado de fora da casa. Amanda juntou se a ela no sofá.
- Fica calma, parece que não há nada lá fora. Quem sabe não foi um gato ou um cachorro procurando alguma coisa para comer. – Disse Amanda.
E mal acabou de pronunciar as palavras sentiu os pelos da nuca se arrepiarem, vendo a maçaneta da porta da frente girar várias vezes na tentativa de abri-la. Amanda não conseguia tirar os olhos arregalados da direção da porta e Penélope quando viu onde a amiga estava olhando deu um pulo no sofá, encolhendo as pernas e soltando gritinhos. Amanda colocou a mão em sua boca e fez sinal para que ela não fizesse barulho. As lágrimas desciam pelo rosto de Penélope que estava visivelmente descontrolada.
Amanda pensou em ligar para a polícia e para Gustavo. Pegou o telefone e viu que estava totalmente mudo. Levou um susto, há pouco tempo testara e estava funcionando. Pegou a mão de Penélope e a conduziu de volta ao quarto. Tinha que achar o celular e ligar para a polícia.
Quando estavam no quarto procurando os celulares ouviram barulho de vidro quebrando. Amanda correu até a porta e a trancou. Os celulares estavam sem sinal. Estavam isoladas, apavoradas, sem saber quem estava tentando entrar na casa, ou melhor, quem havia entrado na casa.
De repente começaram a ouvir passos do lado de fora do quarto e a maçaneta começou a ser forçada. Penélope se encolheu em um canto do quarto tremendo e Amanda começou a gritar desesperada.
- Vai embora! Meus pais estão para chegar a qualquer momento!
Amanda foi até Penélope e as duas se abraçaram sem saber o que fazer. Foi quando a pessoa que estava tentando entrar no quarto desistiu da porta. Ouviram os passos se afastando pelo corredor. As meninas entreolharam-se na esperança que a pessoa tivesse desistido e ido embora perante os gritos de Amanda.
Amanda olhou no relógio e se assustou com o tempo que havia passado. O relógio marcava duas horas da manhã, mas parecia que haviam transcorrido muitas horas em que ela e amiga estavam à mercê do marginal lá fora. E quando as meninas já se achavam seguras para sair do quarto, ouviram um barulho na porta que dava para o jardim.
- Meu Deus, Amanda! O que está acontecendo?
Amanda pega o abajur do lado de sua cama para se defender e vai se aproximando devagar da porta, cada passo que dava sentia seu coração batendo muito forte no peito. Afastando a cortina com uma mão e na outra o abajur Amanda quase cai de costas no meio do quarto ao depara-se com o entregador de pizza olhando para ela do lado de fora.
- O que você quer? Grita Penélope.
O rapaz sem dizer uma palavra se afasta um pouco da janela e de repente as meninas ouvem o estrondo de vidro quebrando novamente e a porta se estilhaçando à sua frente.
Amanda não pensou duas vezes, agarrou o abajur com as duas mãos e foi direto para cima do rapaz que acabara de entrar, acertando o na cabeça, produzindo um corte profundo na testa. Imediatamente começou a jorrar sangue do corte e o rapaz pareceu atordoado por um minuto. Amanda aproveitou a deixa para pegar Penélope pela mão e sair correndo do quarto pela porta quebrada pelo rapaz.
Sentiu a rajada de vento frio no rosto e soltou a respiração que nem sentira que estava prendendo desde a entrada do rapaz no quarto. Corria, puxando Penélope tentando se afastar da casa onde o rapaz estava e quando estava há certa distância, segura de que ele não as havia seguido, pegou o celular e verificou se conseguia algum sinal. Penélope tremia, Amanda desconfiava que ela estrara em estado de choque e não tinha certeza se conseguiria fazer a menina correr por mais tempo.
Um pontinho de sinal no celular, só isso que conseguia. Tentou ligar para a polícia e para Gustavo, mas a ligação não se completava.
Olhou para casa novamente e levou um susto havia um vulto se movimentando em direção as duas, precisavam se afastar o mais rápido possível. Colocou as mãos em concha no rosto de Penélope e começou a falar calmamente.
- Pipi, querida, precisamos correr o mais rápido possível. Precisamos encontrar alguém que possa ligar para a polícia, mas tem que ser agora. Você consegue. Vamos! - E pegando a mão da amiga saíram correndo novamente às cegas, tinham que chegar até a estrada.
Amanda estava tão nervosa, temendo pela sua e a vida da amiga que quando trombou em uma pessoa na sua fuga, começou a dar socos e murros sem perceber que era Gustavo.
- Oque está acontecendo? – Perguntou Gustavo segurando a garota – O que as duas estão fazendo de pijama correndo no meio do mato?
As meninas abraçaram Gustavo, aliviadas, chorando e tentando falar ao mesmo tempo.
- Falem uma de cada vez, não estou conseguindo entender nada. – Pediu Gustavo.
- O entregador de pizza, tentou nos atacar. Ele quebrou a porta do meu quarto e entrou. – Foi falando Amanda aos solavancos.
- Voltei aqui por que não conseguia falar com você nem pelo telefone, nem pelo celular – Disse Gustavo.
- O Gui veio com você? Perguntou Pipi, parecendo um pouco mais refeita do susto.
- Veio sim, está lá na estrada no carro. Mas afinal, onde está o entregador de pizza? – Gustavo pergunta olhando em volta e não vendo sinal do rapaz.
- Eu bati com o abajur nele e saímos correndo, quando paramos e olhei para trás me pareceu ver um vulto, mas não tenho certeza se era ele mesmo ou minha imaginação. Saiu muito sangue do corte, pode ser que ele esteja na casa inconsciente- Disse Amanda.
- Bom, acho melhor a gente verificar se ele está aqui ainda ou se foi embora. Depois ligaremos para a polícia – Disse Gustavo.
- Eu não volto para lá nem morta, você está louco? – Gritou Pipi.
- Pipi, a gente tem que ter certeza se ele está por aqui ainda e verificar o que houve com o telefone para podermos chamar a polícia – Argumentou Gustavo.
- Eu vou com você, Pipi fica aqui nos esperando – Disse Amanda.
- Vocês são loucos, sozinha aqui também não fico. Vou com vocês e espero não me arrepender – Disse a garota emburrada.
E foram retornando cautelosamente para a casa sem avistar uma viva alma. Pipi voltara a tremer e Amanda passou o braço por seus ombros para aquecê-la.
Quando chegaram perto da casa Gustavo disse:
- Esperem aqui, vou dar olhada e já volto buscar vocês.
As garotas ficaram abraçadas na escuridão, na hora em que foram se deitar, apagaram todas as luzes da casa, inclusive as de fora.
Depois de uns minutos Gustavo volta coçando e balançando a cabeça de um lado para outro.
- Vocês são piradinhas, quase me matam de susto. Porque inventaram uma história louca dessas? – Disse ele.
- Como assim inventamos? Disse Amanda.
- A casa está perfeita. Não há vidro nenhum quebrado, o seu abajur está quebrado sim, mas ao lado de sua cama e sem uma marca de sangue – Disse Gustavo.
As meninas se entreolharam e saíram correndo para dentro da casa e quando chegaram ao quarto de Amanda levaram o maior susto de suas vidas. Estava tudo intacto, nada fora do lugar e como Gustavo havia mencionado o abajur estava mesmo quebrado ao lado da cama de Amanda, mas com certeza não fora quebrado na cabeça de ninguém.
- Mas, mas, mas ele entrou aqui, quis, quis, quis nos atacar – Agora era a vez de Amanda se descontrolar.
- Meu amor, você deve estar estressada para inventar uma história dessas. Aposto que foi ideia da Pipi, ninguém estranha, mas você? O que está acontecendo? – Gustavo foi falando e abraçando Amanda.
Amanda deixou-se abraçar sem entender nada. Sabia que tudo o que elas passaram fora real, mas não tinha nada para provar e estava tão exausta que não tinha mais forças para argumentar com Gustavo. Os dois ficaram abraçados um tempo sem notar que Penélope assim que vira o quarto na mais perfeita ordem havia desmaiado e estava estatelada no chão.
- Pôxa gente, quanto tempo vocês iam me deixar congelando no carro? - Gui entra falando quase tropeçando em Penélope no chão.
***FIM***