A Gruta

27/04/2012 11:52

 

Dia de chuva nada a se fazer, pensava Robertinho. Há dias estava assim e ele já estava mais do que entediado. Já havia jogado vídeo game, assistido TV, navegado pela internet e falado com todos os amigos internautas e agora estava deitado em sua cama depois de um belo almoço.

Para que férias se não podia ir a lugar algum, ou jogar bola com os amigos, ir ao cinema. Estava na casa de sua avó e duas semanas já transcorriam sem que nada de especial acontecesse. Adorava passar as férias na casa da avó, sempre acontecia ou descobria alguma coisa diferente. Conhecia pessoas novas e lugares que ainda não tinha ido. Para Robertinho que contava com 12 anos isso era uma perfeita aventura. Chegava à casa dos pais com várias novidades e presentes dos avós.

Mas esse ano parecia ser diferente, quase todos os seus amigos viajaram e os que continuavam na cidade estavam em casa por causa da chuva que não parava desde que chegara.

Deitou-se de barriga para cima e ficou observando o teto do quarto. Era seu quarto na casa dos avós. Tudo era conservado da maneira que ele deixava quando voltava para casa dos pais e nas férias seguintes Robertinho se deparava com o quarto limpo e bem arrumado com todos os brinquedos que deixara para trás. Robertinho adorava os avós assim como eles idolatravam o único neto que morava na cidade grande.

Passara-se um bom tempo até que Robertinho percebeu que a chuva não caia mais. Foi até a janela e abrindo a deparou-se com um fim de tarde perfeito, o sol estava começando a aparecer e o chão começava a secar.

Foi correndo pedir permissão à avó para brincar com os amigos e sua avó sabendo da ansiedade do menino contida há dias, deixou imediatamente com um sorriso no rosto. Para Dona Helena ter Robertinho em sua casa todos os anos era a maior alegria de sua vida.

Robertinho voltou ao quarto para dar uma olhadinha no computador e ver quem estava disponível para uma brincadeira no momento. Por sorte, os três amigos que Robertinho tinha mais afinidades não viajaram e estavam mais ansiosos do que ele para dar uma escapadinha. Logo estavam os quatro reunidos na pracinha, Robertinho, Tiago, Júlio e Felipe, todos com a mesma idade de Robertinho, só que com mais intimidades, já que os meninos moravam, estudavam e eram amigos desde que se achavam por gente.

- Até que enfim a chuva parou, já estava ficando verde de mofo – Disse Tiago, repetindo uma frase que ouvira da mãe.

- Pensei que nós não fossemos conseguir sair para brincar – Disse Robertinho – Daqui a pouco eu tenho que voltar para São Paulo e não fizemos nada de interessante.

- Faltam duas semanas não é Robertinho? – Perguntou Júlio já desanimado com a partida do amigo.

- Sim, mas agora que a chuva parou vamos aproveitar e colocar a brincadeira em dia. – Disse Felipe.

Os quatro amigos estavam acostumados a explorar a cidade de Pindapora e conheciam lugares que muitas pessoas que moravam há anos não conheciam.  As mães sempre os advertiam que não se embrenhassem muito nas matas, poderia ser muito perigoso, mas conselho de mãe nunca é escutado e os meninos viviam entrando em  grutas, matos e qualquer lugar que não conheciam ainda. 

Robertinho era quem liderava essas expedições. Nascera em cidade grande e não tinha a oportunidade de brincar como os amigos em sua cidade, na verdade por morar no centro de São Paulo sua mãe dizia que a única exploração estava no preço das roupas e nos alimentos. Quando vinha para Pindapora Robertinho ficava maravilhado com a grande quantidade de lugares para desvendar.

Já seus amigos, estavam acostumados com o lugar, mas não deixavam de se entusiasmar com o amiguinho que vinha da cidade grande, para ele tudo era aventura.

Dessa vez decidiram visitar a gruta dos cães, que era chamada assim por que há muito tempo atrás era covil de cães selvagens. 

-Será que deveríamos mesmo ir, meu pai sempre diz que muita gente foi ferida naquela gruta mesmo depois que os cães selvagens foram embora – Disse Tiago.

- Nem existe mais cão selvagem Tiago – Disse Robertinho - Com certeza seu pai disse isso para você não chegar perto da gruta.

- Meu pai também fala. Ele disse que meu avô passou por lá uma vez e ouviu vários uivos e ganidos – Disse Felipe.

- Vamos logo então, antes que escureça – Disse Júlio.

E os quatro amigos foram, sem antes passar na casa de Júlio para pegar algumas coisas que iriam precisar. Sempre rindo e tirando sarro uns dos outros, mal percebendo que a mata ficava mais densa e com menos barulho e em certo ponto Felipe que estava na frente parou e disse levantando a mão.

- Parem! Vocês estão escutando alguma coisa?

Todos negaram.

- Não tem barulho de nada Felipe, deixa de ser louco – Disse Robertinho.

- Pois é esse o problema, nem passarinho a gente ouve cantando, que estranho – Disse Felipe.

- Vai ver que os passarinhos não ficam em mata muito fechada – Disse Tiago com a lógica que havia acabado de surgir do seu medo.

-A gruta está muito longe? – Perguntou Júlio

-Não, é logo atrás daquelas árvores – Disse Felipe.

- Então já que estamos aqui é melhor chegar até a gruta. – Disse Júlio

E continuaram o caminho, já sem a certeza absoluta de que queriam visitar a gruta, mas não querendo dar o braço a torcer de que estavam morrendo de medo.

Quando avistaram a gruta, Tiago agarrou o braço de Felipe e disse:

- Agora que a gente já viu como é, podemos ir embora, o que vocês acham?

-Achamos que você vai acabar borrando as calças Tiago – Disse Robertinho, que começou a gargalhar acompanhado de Júlio e Felipe, com Tiago olhando feio e decepcionado para os amigos.

- Vamos dar uma olhadinha lá dentro, não custa nada já que estamos aqui – Disse Robertinho enxugando as lágrimas que escorreram pelo rosto pela explosão de risos.

Foram andando muito devagar com medo de acordar alguma coisa que estivesse dormindo dentro da gruta e acima de tudo torcendo para que não existisse coisa alguma.

-Meu pai me disse também que muitas pessoas foram mortas e trazidas aqui para os cães devorarem – Disse Tiago.

- Como assim? Perguntou Felipe – Eles eram mortos pelos cães ou por outras pessoas?

- Eram assassinados e trazidos aqui. Os cães comiam e não havia corpo para achar, entendeu agora – Disse Tiago.

Felipe, Robertinho e Júlio se entreolharam.

-Seu pai se esforçou mesmo para que você não viesse aqui não é Tiago – Disse Robertinho.

- Cadê a lanterna Júlio, daqui pra frente não dá para enxergar mais nada - Disse Felipe.

Sacando as lanternas da mochila Júlio entrega uma para Robertinho.

- Cara, cuidado com essa lanterna, se acontece alguma coisa com ela meu pai me esfola. – Disse Júlio.

- Como você conseguiu pegar sem ninguém ver? – Perguntou Tiago.

- Meu pai esconde, mas esconde tão mal escondido que eu vivo achando. – Disse Júlio – O que foi motivo para uma série de gargalhadas dos meninos.

Nesse momento ouviram um som que fez com que todos se arrepiassem de medo. O som ficava cada vez mais forte, no começo era apenas um sussurro, mas podia ser distinguido de longe, era o uivo de um cão.

Tiago agarrou novamente no braço de Felipe e pediu.

- Vamos embora, por favor, já vimos à gruta e parece até que ainda tem algum bicho aqui. Já está de bom tamanho não é? – Disse o menino tremendo.

- Tá com frio Tiago? Para de tremer. – Disse Felipe não dando por vencido.

- O que será isso? – Disse Robertinho, não acreditando que poderia haver cães selvagens no lugar.

- Sei lá, só sei que assusta. – Disse Tiago – Se o que meu pai disse é verdade, pode até ter algum espírito vagando por aqui. Imagina ser assassinado e jogado aos cães.

- Cala a boca Tiago! – Disseram Júlio e Felipe ao mesmo tempo.

No calor da discussão os meninos não notaram que o barulho tinha cessado e agora só havia o silêncio, que não era melhor que o uivo.

- Bem , acho que podemos ir embora. Seria melhor vir de manhã com a luz do sol as coisas ficam menos sombrias – Disse Robertinho, dando por vencido já que estavam todos tremendo de medo.

O som começa novamente, mais forte, dessa vez parecia que estava mais perto dos meninos. Eles deram meia volta e saíram aos tropeções, ninguém queria ficar por último, mas o caminho na gruta não era tão largo que coubesse os quatro amigos. Júlio que ficara para trás dá um grito que assusta seus companheiros e sua lanterna se apaga.

- O que aconteceu Júlio? Pergunta Robertinho.

- Alguma coisa me mordeu - grita Júlio no escuro.

Robertinho tenta apontar o facho de luz de sua lanterna em Júlio, mas não conseguia encontrar o amigo. Tiago agarrado a Felipe não o deixa se movimentar.

- Tiago me solta, temos que ajudar o Júlio – Diz Felipe.

-Júlio, Júlio! - Grita Robertinho – E nada de Júlio responder

Robertinho se agacha e começa a procurar no chão quando toca uma perna e sente um líquido viscoso na mão, dirige o facho de luz para sua mão e vê que está coberta de sangue. Quase joga a lanterna longe de tão grande que fora o seu susto.

- Júlio, você está machucado? Responde. Grita Robertinho – Não tinha a mínima intenção de sair dali sem seu amigo – Me ajudem a procurar o Júlio, acho que ele está ferido. Dizendo isso ele entregou a lanterna para Felipe e se agachou pedindo para Felipe direcionar a luz onde ele estava. Os três voltaram alguns metros para dentro da gruta, mas nada de achar o menino. Foi quando começaram a ouvir novamente o som, aquele uivo lamentoso, gutural, parecendo de outro mundo, assim os meninos imaginavam.

Tiago não pensou duas vezes e correu em direção à entrada da gruta. Felipe e Robertinho ainda ficaram na dúvida, mas acharam que se fossem atacados seja lá pelo que estivesse vindo em sua direção, não seriam de ajuda para o amigo Júlio e resolveram sair da gruta também.

Felipe na frente seguido por Robertinho que sente uma dor na panturrilha que faz com que caia ao chão. Colocando a mão na perna sente o sangue jorrando e o formato dos dentes caninos. Grita o nome de Felipe, mas este já havia saído da gruta.

E nesse momento Robertinho sente a respiração do animal em seu rosto, um cheiro de coisa podre invade suas narinas. Já não se ouvia mais o uivo, só aquela respiração quente e o fedor que vinha da boca do animal.

Era seu fim pensou Robertinho, o que havia atacado Júlio agora estava ali para saciar novamente a sua sede de sangue. Não sabia se era um cão, um lobo ou alguma coisa sobrenatural, só sabia que estava bem próximo dele. Arrependeu-se de ter ido à gruta, agora iria morrer e nunca mais veria seus avós e seus pais. E Júlio? O que Felipe e Tiago iriam fazer?

O bafo quente do animal chegava cada vez mais perto e Robertinho sentiu suas patas em seu corpo.

Acordou rolando no chão com as cobertas enrolados no pescoço suando, lá fora a chuva caia cada vez mais forte e já escurecia.

 

***Fim***